mardi 21 avril 2009

Florbela Espanca



Sempre em Mafra, tinha eu então 16/17 anos, o Café Estrela tinha sido trespassado a um casal que tinha voltado do Brasil, onde tinham feito umas economias. Eles, o Senhor Martins e a Dona Casimira, conservaram-me para apenas fazer os Pastéis de Feijão, e isto só até a Dona Casimira os soubesse confeccionar ela própria.

Entretanto, como deixei de ter o meu quarto com o Carretas lá no 2° andar sobre o Café, fui viver para casa dos meus pais, ali na Travessa da Narcisa, 5-1°-Dto., onde havia um pequeno e sombrio quarto disponível para mim.

Continuei a escrever e a fazer desenhos.

Sempre que ia à Papelaria do Victor comprar papel Cavalinho para fazer os meus desenhos, reparava naqueles cartazes que eles lá tinham à venda, com retratos de grandes escritores clássicos portugueses, como o Camilo Castelo Brando, Eça de Queiroz, e tantos outros.
Comprei o do Eça para adornar uma das paredes da minha lúgubre mansarda, de paredes nuas, ali na Travessa da Narcisa.
Um dia, por acaso, folheando esses cartazes, esbarro com um cartaz com o retrato da minha grande Florbela Espanca! A minha Musa e meu "Poço de Inspiração"!

Comprei esse cartaz e pu-lo na parede, mesmo em frente da minha cama.

Todas as manhãs, quando acordava e abria os meus olhos para mais outro dia de vida, de trabalho - muitas vezes também de frio e chuva - a primeira coisa que os meus olhos viam era a doce face da minha Florbela Espanca. Sem dar por isso, lendo os seus sonetos, vivendo com ela "a sua imensa dor", esse seu amor impossível, identificando-me seriamente com a sua poesia e nefasto sofrimento, olhando-a longamente no seu olhar distante e absorto, sem quase de nada me aperceber, apaixonei-me por ela.

Teria gostado de ser esse homem que ela tanto amou - esse talvez amor incestuoso - para lhe dar todo esse grande amor que ela suplicava e ao mesmo tempo repudiava. Como se esse imenso amor fosse um pecado ultrajante e absolutamente inacessível!

Uma tarde, sentado aos pés da minha cama, penetrando o seu olhar ausente e longínquo, dediquei-lhe um poema. Claro que tinha de ser um soneto!

OLHAR ALENTEJANO

Para quê procurar nos teus olhos alongados,
nos teus olhos negros, húmidos, esmorecidos,
os poemas que anseio, belos e perfumados,
como tantos outros que esqueci, desiludidos.

Não vejas meus olhos que te perseguem,
não creias nas promessas, nos seus fluídos,
peço aos teus olhos tristes que não me roguem
nessa súplica pungente de esquecidos.

Amo os teus olhos belos e tristes como os meus
e queria uni-los e erguê-los, sublimes, aos céus,
e amar a tua dor beijando a tua boca.

Mas mórbido, em nosso mundo incompreendido,
eu ando desvairado a procurar teu olhar perdido
nos meus olhos, na minha cabeça louca!

Mafra, 16 de Setembro de 1953

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