jeudi 2 avril 2009

AMIGO


Um destes dias
Dou um salto ao cemitério
Vou visitar-te!
Ah! Já não posso
Já lá não estás!
Estavas lá tão bem
Campa rasa pacata
Mas levaram-te a Belém
Para uns pastelinhos de nata.
Que chatos!
Tinhas nos Prazeres
Sem grandes aparatos
Onde muito bem jazeres
Muito bem estares
Finalmente repousares
Pés juntos sem sapatos.
Isto depois de um enterro
Qual desterro
Com meia dúzia de gatos!
Nesse mesmo dia
Três meses eu fazia
Três vezes eu batia
À porta que se me abria
À porta que se te fechava!
E a porta se entreabria
E a vida me sorria
A vida me mentia
A vida me enganava!
E nesta vida ainda estou
Nesta vida ainda sou
Tudo o que me inventei.
Deixa lá
Quando me for embora
Só deixarei de fora
O muito que fumei!
Pobre de ti coitado
50 anos mais tarde
Sem burburinho nem alarde
Face ao teu pouco destaque
Enfiaram-te um novo fraque
Que te fica muito bem
Invólucro das tuas ossadas
Teus heterónimos
E pseudónimos
Tuas últimas ramboiadas
E levaram-te para Belém
Mais perto das “tabacarias”
A venderem as tuas poesias
Como tu
Agora muito bem encadernadas!
Deram-te outra crista
Outra dimensão
Fizeram de ti alpista
Para muito oportunista
Pobres aves de rapina
Olhos postos no chão
Gotas de atropina
Lágrimas de estearina
Remorsos sem perdão!
Claro
Há os que te estimam
Os que te respeitam
Os que te admiram
Te respiram
Te veneram
Te adoram
E os que a ti se sujeitam!
Sem esquecer os que te venderam
Te vendem e exploram.
Sim!
Exploram!
Primeiro foram os melões
Depois foi o Camões
Que hoje menos se apregoa
E como tudo correu bem
A coisa dava dinheiro
Levaram-te fora de portas
Portas e janelas!
Digressões pelo pais
Exportado para o estrangeiro!
Good morning sunshine
Bloody Caravelas!
Pobre Poeta le voilà
Ainsi devenu célèbre
Malgré soi!
Hoje nos Jerónimos
Grandónimos
Com seus gráficos epitáficos
E amanhã a estas horas
Onde estará?
Amigo multifacetado
Que tantos personagens criaste
Personagens isolados
Para te sentires menos desamparado
Pobre amante assexuado
No teu cubículo enclausurado
Em teu silêncio masturbado!
Apenas te encontraste
No que nunca escreveste
Nem sequer pronunciaste
Mesmo pensá-lo não ousaste!
Ophélia
Efémera doce quimera
Não passou de platónico incesto
Manifesto
Pseudo sexual
Devaneio sentimental
Intelectual?
Algo um tanto indigesto
Que não fez nem bem nem mal!
Apenas discreto refúgio
Apanágio subterfúgio
Ardil contraproducente
Para te enganares a ti
E embalar a gente.
Perto
Ou longe de Mário
Tua vida foi ermo calvário
Destinos malogrados
Pelas convenções apartados
Mordidela de serpente!
Mesmo roto
Foi ele
António Botto
Quem arrojou vivê-lo
Dizê-lo
Escrevê-lo
E até mesmo publicá-lo!
O mais corajoso de todos os verbos
O mais soberbo de todos os soberbos
O verbo “assumir”!
Sem calcular
Sem medir
Com todos partilhar
O verbo ser
E sê-lo inteiramente
Sem desvios
Atavios
Sem se renegar
A si próprio mentir
Si mesmo iludir!
Tu
Apenas te procuraste
No absinto onde afogaste
O presente dum futuro já passado!
Amigo multisolitário
Pálidos dedos de ervanário
Em mim te prolongaste
No muito que há em mim de só
E que como tu um dia será pó!
Amigo!
Na minha agonia
Quer de noite quer de dia
Na minha insónia sempre pernoitaste!
Dorme teu sono eterno
Que seja só meu este inferno
Onde sozinho me deixaste!


Rogério do Carmo
Paris, 4/6/1990

Crítica de uma leitora do Jornal Extra, na NET:

OBRIGADA ROGERIO

Por Orquídea- 18 Setembro 2008 - 12:46

Foi este mês que comecei a ver no Extra on Line coisas feitas por si. COISAS!!! Coisas lindas, belas, sinceras, "assumidas", porque belo é asumir, diz você no seu magnífico poema a Fernando Pessoa. Não me lembro de ter lido alguma vez alguém que o "contasse" como você o contou.
Por onde anda você, homem!? Com tanta obra feita e sem qualquer "indicador" nos escaparates livreiros...
- Fazer cultura não é para todos, logo é previlégio de "alguns"
- Divulgar cultura é só para os conscientes que constituem, infelizmente, uma magra fatia do horizonte populacional português!
- "Vender cultura" é só para maiorias "estupidificadas" e afectadas pelo incurável virus do poder demagógico e capitalista.

Quem bom é lê-lo, Rogério... julgo que seja este o seu nome verdadeiro. Obrigada! Orquídea

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