samedi 16 octobre 2010

Amália - Nossa Senhora do Fado


A NORA
(à minha querida Amália)
Vai de roda vai de roda
vai de roda sem parar
e esta roda que mal roda
um dia hás-de cantar
como os fados que cantaste
e no peito me deixaste
o desejo de voltar
e este meu eira nem beira
perto da tua cabeceira
um dia há-de estacar.
Sobre este mar encapelado
o meu barquinho naufragado
numa praia rebatida
como ao soar da partida
uma praia portuguesa
com pão e vinho sobre a mesa
um dia há-de atracar
e a todas as portas que bati
e os comboios que perdi
um dia hei-de cantar
nesta minha maneira de chorar.
E eu sentado na praia
a contar as ondas do mar
e naquelas noites de bruma
o mar em branca espuma
minhas lágrimas secará
e aquele meu sonho renegado
neste fado será cantado
e o mar comigo chorará.
E chora o mar e chora o vento
este meu último lamento
nessa voz que me foi na vida
a minha única guarida
chora voz essa voz só tua
que faça sol ou faça lua
se eu ainda lavo no rio
e na rua hei-de ficar
chora chora meu amor
antes que o mar se vá embora
chora chora
até que eu deixe de chorar
e este amor que não importa
não bata mais à tua porta
chora chora meu amor
que a minha alma já está morta.
Vai de roda vai de roda
que esta roda já cansou
chora chora meu amor
que a minha nora já secou!
Rogério do Carmo
Paris, 1989

samedi 3 avril 2010

Miki


Vou tentar explicar a inesperada aparição dum poema meu em Hebraico, essa língua morta que me fez viver os mais felizes anos da minha vida: a minha Juventude!

Em Israel, fiz um curso de hotelaria numa grande escola em Herzelia. Nessa escola tive inúmeros condiscípulos que passaram temporariamente na minha vida. Um, porém, o Miki, que, no dia em que o professor me quis pôr fora da aula por eu não ser Judeu, se levantou e, com a sua muito rouca voz, atirou peremptoriamente :

- Se o Carmo sair, eu também saio !

O meu querido Miki, que um dia a Morte mo levaria tão precocemente! Mas até essa trágica data, passaria a ser um dos melhores amigos da minha vida ! Até essa data, ficámos sempre em contacto. Trabalhámos juntos no Tel Aviv Hilton. Durante esse período fui hospitalizado e foi ele, Miki, um dos poucos que me vieram visitar, trazer flores para alegrar o meu quarto, frutas, bolos, cigarros, e o único que me veio buscar ao hospital e me levou para sua casa em Herzelia, para meu o restabelecimento. Entretanto tinha casado com uma mulher encantadora, e tinha três adoráveis filhos ainda muito putos e muito irrequietos! Ele deu-me o quarto da sua filha e ela foi dormir para a sala. À tarde, cada vez que Miki voltava a casa depois do seu trabalho no Hilton, ele gritava aos miúdos:

- Pouco barulho! Deixem o Carmo descansar!

Porém eles não me incomodavam mesmo nada. Era o Miki, aos gritos, a mandá-los calar, que me acordava! Durante esses dias que lá passei, acarinhado por ele e sua mulher, a minha querida Adela, dediquei-me imenso aos seus três filhos. Eram o Sharon, o Eyal, e o Ishai. A filha era dum primeiro casamento da Adela.

Quando eu já estava quase recuperado, Miki pediu ao director do hotel permissão para eu me alojar num pequeno quarto desse hotel, à beira da piscina, para que ele pudesse estar assim mais perto de mim, e para que os nossos outros colegas pudessem visitar-me mais facilmente. Eu adorava esse hotel, o seu director, o Miki e todos os outros colegas. Nesse hotel, logo no primeiro ano, em 1976, recebi o prémio do melhor recepcionista do ano. Mais tarde um realizador de cinema francês, ao ver-me sempre alegremente a fazer o meu trabalho, chegou-se à recepção e pôs-me o seu cartão na mão, dizendo-me que eu era um desperdício ali atrás dum balcão, que eu devia estar sobre um palco! Que o viesse ver a Paris e que ele faria de mim uma grande vedeta! Imediatamente pedi a minha transferência do Hilton Tel Aviv para o Hilton em Paris! O Director chamou-me ao seu escritório, pedindo-me que não partisse, que ele estava muito contente com o meu trabalho, e que queria propor-me as funções de seu assistente, pelo facto de eu falar sete línguas. Recusei! Eu queria ser uma grande vedeta! Com lágrimas nos olhos deixei Israel, Tel Aviv, esse hotel e colegas que adorava, peguei na minha mala, apanhei um avião, e regressei a Paris!

Chegado a Paris, o Hilton não me pôde dar trabalho, pois que os meus papeis tinham ultrapassado a validade de estadia em França. Fui falar com esse realizador de cinema, ali nos Campos Elísios. Imediatamente ele me propôs um papel num dos seus filmes, então em preparação. Aí começou o meu calvário! Sem papéis eu não podia trabalhar legalmente no país e vi-me obrigado a trabalhar ao "negro", fazendo limpeza em casa de madames que não gostavam de arruinar o escarlate verniz das suas belas burguesas unhas! Felizmente tinha um amigo que me acolheu num quarto que tinha disponível no seu pequeno apartamento.

Uma bela quinta-feira, recebo um telefonema desse realizador para eu estar no próximo domingo, às oito em ponto, no Café "Aux Trois Obus", em Porte de Saint-Clous, para umas filmagens de exterior. Na sexta ele volta a telefonar-me a perguntar-me se eu era Judeu. Como receava o anti-semitismo em França, e porque não era Judeu, disse-lhe que não! No sábado ele volta a telefonar a dizer-me que o meu papel no seu filme tinha sido excluído! Mais tarde, depois de termos fundado a Rádio Alfa de Paris, recebo um "dossier de presse" dele, para ser meu convidado na minha emissão, para promover o seu filme, o tal onde o meu papel tinha sido suprimido. Quando ele me viu, muito espantado, a primeira coisa que me disse foi:

- Você está ver? Eu bem lhe tinha dito! Em Paris você seria uma vedeta!

Respondi-lhe secamente que eu não era nenhuma vedeta, que tinha andado a manhã toda a fazer limpeza em casa dos outros para poder dar-me ao luxo de ter jantar nessa noite!

Meses mais tarde, uma noite, apreciando uma entrevista dum pseudo-actor francês - que era Judeu - uma das coisas que ele afirmou que muito me chocou e me abriu os olhos a fazer-me aperceber desse indecente monopólio, foi: Para fazer cinema é preciso ser-se Judeu!

Por essa injusta razão andei 10 anos em Paris a fazer limpeza para ganhar a minha vida! Na rádio eu não era remunerado, trabalhava por amor a essa rádio que me tinha saído das entranhas!

Entretanto sempre que ia a Israel ficava em casa do Miki, e quando o Miki vinha a Paris ficava no meu quarto. Nunca nos separámos! Quando, um dia, tive uma chamada de Israel a dizerem-me que o Miki tinha morrido, eu, desarvorado, saltei no primeiro avião e corri para sua casa! O Miki já tinha sido enterrado. Jazia ali no cemitério de Herzelia, a dois passos donde morara! Adela levou-me lá a ver a sua campa. Frente a essa campa, pondo uma pedrinha sobre a sua pedra tombal, tal como tinha feito com o meu irmão Alberto e meu irmão Carlos, que tinham tão cruelmente deixado este mundo ainda tão jovens, mentalmente lhe jurei:

- Miki! Obrigado por me teres feito três filhos maravilhosos! Vou amá-los por ti, vou viver por ti a tua paternidade!

Entretanto o tempo passou, Sharon casou e seguiu para os Estados Unidos, Ishai continuou os seus estudos, e o Eyal tinha acabado o seu curso de medicina e tinha-se instalado em Haifa. Uma vez ele veio passar uns dias comigo em Paris, e quando eu o fiz ouvir o poema que tinha feito ao seu pai, numa faixa do meu disco, dito por mim com toda a minha alma, as lágrimas correram-lhe discretamente pela face. Sempre que ia a Israel ia ficar na casa da Adela, em Herzlia, e dormia na cama do Miki, com uma larga janela que dava para o grande terraço onde ele, uma noite de lua cheia, recostado na sua cadeira, olhando-me fixamente nos olhos, depois dum longo silêncio, me disse algo que eu jamais ouvira saindo da boca fosse de quem fosse : - Carmo ! I love you ! Eyal entretanto casou-se, mudou-se para um Kibbutz, tornou-se meu amigo no Facebook, e insinuou que gostaria de ter o meu poema a seu pai na sua página. Assim como que muito brevemente ele viria a Meudon passar uns dias comigo e apresentar-me a sua esposa!

Senti
Sempre senti
Sentimento assim
Sempre tive
Que Israel
Pequeno país
Pequeno pequenino
Sem espaço que chegue
Para todo o meu amor
Para todo o seu amor !
Para todos os amigos
Que lá tive
Todos os amigos que lá tenho !

Agora Miki
Sem ti
Israel cada vez mais pequeno
Cada vez mais pequenino
Sem espaço para mim
Sem espaço para ti !

Amigo como tu tive
Amigo como tu um dia tive
Nesse país tão pequeno
Nesse país tão pequenino !

Juntos estivemos
Juntos estaremos
Juntos aconteceu
Num país tão pequeno
Tão pequenino !

Jamais haverá espaço
Para o nosso grande amor
Num país tão pequeno
Num país tão pequenino.

O meu país, o nosso país, o teu país!
Paris, 16 de Abril, 1985.

samedi 14 novembre 2009

A voz inconfundível de Amália

Entrevista a Amália Rodrigues, por Rogério do Carmo

lundi 20 juillet 2009

Algumas pinturas da Ana Oliveira
















Ana Oliveira


A minha Oliveirinha da Serra!
Uma alma grande que aceita as coisas e as pessoas tal como elas são!
Muito talento para a pintura, com o qual ela preenche as poucas horas livres da sua atribulada vida!
Aqui têm o seu auto-retrato!
Para ela
um beijo tão grande e tão quente
como o Sol no Zenite!
Galdério

samedi 18 juillet 2009

O absurdo duma frustração


Coisas imcompreensíveis que podem acontecer quando um homem se sente injustmente rejeitado.
Quando algo de muito importante na sua vida estava previsto acontecer e que nunca aconteceu! Frustrado por se sentir traído pelo seu melhor amigo, injustamente verteu a sua cólera sobre outro alguém completamente irresponsável do que se tinha passado.
Dias depois, apercebendo-se da injustiça praticada, humildemente pede perdão a essa bonita rapariga que não tinha culpa alguma das minhas misérias pessoais.
No dia em que foi perdoado apecebeu-se também que nesse mesmo apenas um dia, num parque verdejante, ele recuperou um velho amigo que igualmente estava inocente, e ganhou um novo amigo que ele guardará para todo o sempre, mesmo se a separação final e definitiva um dia os venha a separar de novo.
Até lá, que essa velha amizade e essa outra reconquistada o amparem na sua imensa solidão, afastado do espaço a que tanto quer, e aos amigos que por lá deambulam.
Uns, verdadeiros amigos, outros falsos, mas a vida é assim feita e um dia todos compreenderão que o Mal e o Bem vivem lado a lado, e que nem sempre o Mal é vencedor!

mardi 14 juillet 2009

O meu Bikini


Gostaria de vos contar a história deste meu Bikini!
Tudo começou em Londres!
Eu e o Pat vivíamos ali em Chalk Farm, na Ainger Road, e um dia decidimos ir fazer férias a Espanha. Era a primeira vez que íamos fazer juntos uma viagem ao estrangeiro, na frescura da nossa juventude.

Fomos a uma Agência de Viagens ali perto da B.B.C., onde o Pat trabalhava, e comprámos duas semanas em Torremolinos. O empregado era simpatiquísimo. Chamava-se Peter! Quando ele nos entrega os dois bilhetes, com um sorriso muito especial, deseja-me Boas Férias. Perguntei-lhe se ele queria alguma lembrança de Torremolinos e a sua resposta foi:
- Yes! Yourself!

Mas esta história contá-la-ei no meu livro de memórias, "Tudo em Pratos Limpos"!
Chegada a data de partida, organizámos as malas. De repente apercebo-me de que não tinha fato de banho, pois que em Londres ninguém precisa de tal apetrecho. Basta um guarda-chuva! Como as lojas já estavam todas fechadas, não podia comprar um à última da hora, e o avião descolava no outro dia de manhã muito cedo. Para me desenrascar resolvi agarrar numa T-shirt que tinha, branca, com riscas azuis, que estava cheia de buracos, da qual eu tinha feito um esfregão de cozinha, agarro numa tesoura, corto a T-Shirt, faço-lhe uma baínhas, ponho uns elásticos, provo, e pronto. Estava na ponta da unha!

Claro que eu podia ter comprado um fato de banho em Torremolinos quando lá chegasse, mas eu sempre tive a mania de me desenrascar sozinho e fazer coisas que muito poucos fazem.
Chegádos a Torremolinos depara-se-nos um hotel muito moderno, quase de luxo. Ficámos radiantes! Instalámo-nos e, como a piscina do hotel era mesmo por debaixo da janela do nosso quarto, fomos inaugurar o meu bikini. Imediatamente o meu bikini começou a ser notado. Era olhado por uns com algum espanto, e por outros talvez com desejos de ter um igual para uso próprio ou sabia Deus que mais.

Passámos duas semanas de inesquecíveis férias. As nossas primeiras férias no estrageiro!
Todos os dias passávamos umas horas na piscina a bronzear e a fazer amigos. Uns deles foram uma senhora britânica que fazia as suas férias longe do inevitável nevoeiro londrino, com duas das suas filhas. Eram muito simpáticas e demos grandes voltas por Málaga e tivemos interessantes longas discussões a puxar para o intelectual e politicamente correcto. Houveram muitos Martinis tomados antes de jantar, ao pôr do sol, na esplanada da piscina.

Chegado o dia do regresso a casa, tínhamos de estar já com malas prontas frente a recepção do hotel, para apanharmos um autocarro que nos viria buscar para nos levar ao Aeroporto. O autocarro estava previsto para as três da tarde. Enquanto aguardávamos a chegada do autocarro - como tivémos de devolver as chaves dos quartos ao meio-dia em ponto - todos aproveitaram essas três horas para fazerem compras nos bazares do hotel para terem prendas a darem aos amigos ao chegarem de volta às suas casas. Pensei comprar um bonito cinzeiro de pé, em cobre, que estavam espalhados por toda a parte pelo hall do hotel. Fui à recepção e perguntei onde poderia eu comprar tal bonito cinzeiro como recordação da nossa estadia no hotel. O recepcionista respondeu-me que não estavam à venda, que eram propriedade privativa do hotel.

Desiludido, como não tinha muitos cobres de sobra dos nossos muitos Martinis, decidi, em vez de estar ali feito parvo a olhar para o boneco, fui à piscina e, como tinha o meu bikini vestido sob as calças, fui ao vestiário da piscina e despi-me conservando sobre o meu corpo o meu famoso bikini T-Shirt esburacada.
Por volta das duas e meia da tarde saio da piscina, entro no vestiário, tomo um duche, e visto-me. Como o bikini estava molhado enfiei as calças mesmo sem cuecas, coisa que muito frequentemente fazia no meu dia-a-dia em Londres.

De volta ao hall fui sentar-me na mesa onde o Pat e a tal senhora e as suas duas filhas aguardavam o autocarro. Sentei-me e pus o meu bikini todo molhado num daqueles grandes cinzeiros de cobre, de pé alto. Para meu espanto, essa senhora pede licença e agarra no meu bikini, enrola-o no seu lenço e mete-o na sua bolsa. Pergunto-lhe para que raio queria ela o meu bikini? Como recordação? Não! Respondeu-me ela. É para mostrar o seu bikini à minha outra filha que não veio connosco, pois que se eu não lhe mostrasse o seu bikini, ela nunca me acreditaria quando eu lhe contasse que tinha conhecido em Torremolinos um rapaz que se banhava na piscina vestindo apenas uma coisa tão minúscula, pouco mais do que uma folha de hera!

Quando o autocarro chegou, começaram todos a agarrar nas malas para embarcarem. Quando peguei na minha, o recepcionista vem ao meu encontro para se despedir de mim e, entregando-me uma pequena caixa de cartão, diz-me:
- Isto é uma recordação do hotel, para você levar para casa. Boa viagem!
Depois de todas aquelas fastidiosas burocracias de Aeroportos, apanhámos o avião. Mal o avião descolou, tive curiosidade de abrir aquela caixa de cartão que me tinha sido dada ao deixar o hotel, como recordação das férias. Não ousei. Sabia Deus o que ela esconderia! Pu-la na prateleira e jurei-me que mal chegasse a casa, a primeira coisa que faria, antes mesmo de abrir as malas, seria de abrir aquela misteriosa caixa de cartão.
O que aconteceu!

Mal fechei a porta, pouso a minha mala no chão, abro essa intrigante caixa de cartão e, santo Deus! Que surpresa!
Era o meu tão desejado cinzeiro de cobre de pé alto do hotel onde tínhamos passado duas maravilhosas semanas de férias!

jeudi 2 juillet 2009

Frémito

No claustro das sombras ogivais
Minhas mãos procuravam cegamente
O calor das tuas formas sensuais
Róseos botões abertos entumecidos
A sulcarem a brancura do teu peito
Desabrochar de libidinosas bacanais
Revelação da tua intimidade jardim
Dos teus mais recônditos segredos
Pétalas de veludo e de jasmim
A queimarem a maciesa dos meus dedos
A endoidarem loucamente meus sentidos!

Teus olhos incêndios por extinguir
Fogo incandescente fogo crematório
Onde pecador me queria redimir
Fogo onde busco punição o meu castigo
Nesse teu corpo todo aceso em purgatório
Na rubra labereda de um ritual antigo!

De encontro àquela árvore secular
Na noite que lentamente nos fugia
Sentia teu corpo o meu aprisionar!
Teu corpo contra o meu crescia crescia
Parecendo querer meu segredo penetrar!
E o meu num frémito todo se reabria!

Tua voz grunhidos em selva renascidos
Acariciava o vibrar dos meus timpanos
Emprenhave os óvulos dos meus ouvidos!
Minhas pálpebras descidas para sentir
O afago do teu bafo lufada que me lambia!
Minhas narinas se dilatavam a capturar
O odor do teu hálito do teu corpo em fusão!
Minhas mãos ávidas no teu corpo a rastejar
Em busca da tua insígnia do teu brasão!

Meu corpo faminto presa fácil de teu cio
Fragrância do meu desejo feito ardor
Boca mordiscando teu corpo em desvario
Viagem ao fundo do inferno bigornas que sustentam
Descidas respresas barragens que rebentam
Longos canais por mim nunca navegados!
Irrompe o fogoso garanhão latejante devastador
Lingua de fogo na fogueira do pavio
Fronteiras abertas passaportes carimbados!

Virei-me para ver a paisagem que tu vias
Frugal roçar de folhas nesse amanhecer
Saliva escorrendo espada em riste rosa em matagal
Bandarilha em toiro tresmalhado quase virgem!
Um gemido misto de dor e de gozo canibais!
Teu arado rasgando – meu partrimónio me invadias!
Pudores viris sucumbindo em súbita vertigem
Louco desfraldar dos instintos ancestrais!

Um derradeiro estertor um urro triunfal!
Ou uivo dolorido de besta ferida em agonia?
Rio caudaloso jorrando em vulcânico lamaçal
Tromba recolhendo aos contrafundos da sua via
Archote reduzido a cinzas apagadas num jornal
Alvorocer sem neblinas sem o canto da cotovia
Passos se afastando sem um aceno na aurora boreal!

Cântaro que a água me trouxe a água me levou
Água sempre crescente que nenhuma sede me matou!



Rogério do Carmo
Villejuif, 19/6/1986

jeudi 25 juin 2009

Abusos de PODER


Desde muito pequeno que sempre tive problemas de miopia. Comecei a usar óculos quando eu tinha apenas 13/14 anos. Para mim foi um insulto pois que tinha os olhos mais bonitos de Mafra! Mulheres e raparigas vinham ao Café Estrela, onde eu então trabalhava, comprarem bombons ou Pastéis de Feijão - por mim fabricados - só para verem os meus belos olhos verdes de então. Isto, afirmação da Fernanda e a Manóia, as mulheres que me embalaram quando eu tinha três anos, que depois, durante 67 anos, nunca mais nos vimos e que, após esses anos todos, eu reencontrei no Sobreiro, mesmo em frente da Casa da Brasileira, onde eu, 74 anos atrás, tinha nascido!
Já lá vão uns anos, em Paris, num dos mais famosos hospitais de oftalmologia do mundo, fizeram-me uma "refracção de miopia" ao meu olho esquerdo. Depois da intervenção ela pede-me para me repousar 20 minutos, na sala ao lado, sobre uma cama, para ela depois verificar como o meu olho tinha reagido. Durante esses 20 minutos, confortavelmente deitado nessa cama esterilizada, olhei em redor e vi, com grande espanto, que eu via como nunca tinha visto na vida! Olhava os cartazes espalhados pelas paredes e podia ler todas as letras, das maiores às mais minúsculas! Uma felicidade indescritível se apoderou de mim!
Quando ela veio verificar os resultados disse-me, muito contente consigo própria, que estava tudo bem, que os resultados eram óptimos! Que viesse dentro de dois dias para uma nova inspecção.
Saí do hospital radiante da minha sorte. O Pat conduziu-me no seu carro até casa, e eu podia ler todos os nomes das ruas por onde passávamos, coisa que ele, que vê muito bem, não conseguia! Senti-me como um contemplado por um dos mais fabulosos milagres que me podiam ter acontecido!
Durante um mês tive de ir ver o mesmo cirurgião para ela controlar a minha convalescença. Três visitas foram feitas e, segundo ela, estava tudo bem a 100%!
Na última vez que fui a esse "check-up", na sala de espera, a meu lado, estava sentado um rapaz encantador. Conversámos imenso, e eu confesso-lhe que a médica que me tinha feito essa intervenção era um amor de pessoa e uma grande profissional, que me tinha dado a vista! Ele concordou comigo, dizendo-me que ela era uma amiga sua, que ele a tinha vindo ver para lhe fazer uma pergunta acerca dos seus olhos e marcar uma consulta, e que ela lhe tinha dito que a solução para o seu caso seria uma refracção de miopia. Que esperasse na sala de espera, que ela faria essa intervenção nesse mesmo dia! Ele estava encantado com a proposta. Porém, quando, depois de 5 horas de espera eu fui chamado, essa médica me diz que nesse dia ela não tinha tempo para mim! Disse-lhe que tinha falado com jovem Grinberg, e que ele me tinha dito qe ia ser operado nessa mesma tarde, e que ele nem sequer tinha marcado consulta. Que ela não tinha o direito de me fazer esperar 5 horas e depois dar a minha vez a um amigo seu!
Ela diz-me que "chez-elle" ela fazia o que muito bem lhe apetecia! Retorqui que, "chez-elle" eu estava d acordo, mas que ela, ali no hospital, não estava "chez-elle", mas nas suas funções de profissional de oftalmologia, que ela não tinha o direito de dar a minha vez a um amigo pessoal seu! Ela embuchou e deu-me outra data para a semana seguinte.
Chegada essa data sou um dos primeiros a ser recebido. Ela verifica o meu olho esquerdo e declara que eu o meu olho precisava dum retoque, e deu-me outra data para esse sugerido retoque.
Um mês mais tarde venho para o retoque. Antes de descer ela fez-me assinar uma declaração onde estava escrito que eu aceitaria os resultados dessa intervenção, fossem eles quais fossem! Depois desse retoque que tinha sido feito por ela, desta vez discutindo com os seus assistentes acerca de um casamento onde ela tinha sido convidada, dos vestidos que fulana e beltrana tinham posto para esse evento, tudo pessoal do mesmo hospital. Imediatamente senti que ela estava a falar demais e pouco concentrada, mas fazia-lhe inteira confiança no seu profissionalismo e no Sermão de Hippocrate que ela, por sua vez, um dia tinha certamente assinado!
Acabado o relato acerca desse casamento Judaico, onde o Rabino tinha dito que eles iriam ser muito felizes e terem muitos meninos, ela "c'est fini" e pede-me para eu ir descansar 20 minutos no quarto ao lado, como da primeira vez.
Quando me deitei sobre essa mesma cama que me acolhera da outra vez, olho para todos esses mesmos cartazes espalhados pelas paredes, e não conseguia ler uma única palavra neles escritas! Entrei num pânico mortal!
Quando ela entrou no quarto para verificar os resultados da intervenção, antes mesmo de ela ter inspeccionado o meu olho acabado de ser retocado, digo-lhe:
-Madame, penso que desta vez as coisas não correram bem. Vejo ainda menos do que antes da primeira refracção que me fez e que quando saí do hospital via mosquitos pousados na Torre Eiffel, e que desta vez nem sequer conseguia ler os dísticos dos cartazes ali a dois metros de mim!
A sua resposta foi:
"Eu sei! Correu tudo mesmo muito bem!"
Dois dias depois tive de voltar às suas mãos assassinas, isto depois de ter contado o acontecido às recepcionistas, que achavam piada às minhas larachas! Não sei o que se passou, mas a verdade é que, enquanto a assassina pretendia verificar o meu olho, entra uma outra médica que lhe pede autorização de ser ela a verificar os resultados. Essa médica inspeccionou o meu olho durante uns minutos e depois vira-se para a outra e disse-lhe:
- Ameline, o problema com o olho esquerdo do senhor Carmo é que ele esteve demasiado tempo exposto ao lazer!"
Ela disse-lhe ia fazer um outro retoque e a outra médica retorquiu-lhe que ela sabia muito bem que agora mais nada se podia fazer, que era "irreversível"!
Furioso com a maldade dessa mulher que abusou do seu poder sobre um dos seus pacientes, a despeito do "Sermão de Hipócrates" voltei a casa com a morte na alma. Escrevi uma longa carta a queixar-me ao Director Geral desse hospital, e foi o seu assistente quem me respondeu. Recebi três cartas dele. Eu tinha pedido uma confrontação entre mim, essa cirurgião, o o responsável do seus Serviços, mas escreveram-me que o meu problema era muito complicado e que contactasse uma outra Instituição que se encarregava de uma indemnização. Meses depois essa Instituição envia-me uma carta a dizer que eu não tinha nenhuns direitos a nenhuma indemnização!
Enviei cartas expondo que eu tinha sido vítima de um abuso de poder de uma mulher rancorosa a todos os jornais franceses e a todos os Ministérios possíveis e imaginários, e não obtive uma única resposta fosse de quem fosse!
Desesperado, envio a mesma carta a todas os canais de televisão, e apenas um me telefonou a perguntar-me se eu tinha assinado alguma declaração imposta pelo cirurgião. Respondi que sim, que não tinha tido qualquer outra alternativa!
A resposta de senhor da televisão foi:
- Désolé, on peux rien fare pour vous!
Moralidade da história, fiquei quase cego do olho esquerdo para o resto da minha vida e essa senhora sem moralidade alguma, continua as suas funções nesse mesmo hospital sem ser punida,e à vontadinha para outras próximas vítimas!
O médico que todos os anos me fazia o "check-up" já lá 30 anos, quando o fui ver recusou-se a receber-me. Esse médico ao qual eu um dia disse que "tínhamos envelhecido juntos", o qual, sempre que,por acaso, passava por mim na rua se lembrava do meu nome e me dizia até à próxima!
A minha única pergunta é a seguinte:
Será que no país considerado o mais democrático do mundo, possa consentir que essa Democracia se limita a pessoas perigosas para a Humanidade? E para as vítimas não há Democracia?