samedi 25 avril 2009
O MEU PRIMEIRO GRANDE AMOR
O meu primeiro grande amor...
Estava eu ainda no Café Estrela, em Mafra, mesmo em frente do majestoso Convento.
Quando não tinha nada que fazer punha-me à porta a ver passar o trânsito e as pessoas apressadas.
Entre essas pessoas apressadas havia um senhora muito censurada nessa Vila...
Ela era divorciada e diziam que recebia cadetes na sua casa, que entravam pela janela do seu quarto ali no rés-do-chão, que dava para as traseiras...
Ela era muito loira, trajava sempre saias muito apertadas com uma rachinha atrás a por à vela um nadinha mais das suas belas pernas morenas.
Usava também umas camisolas de lã muito justas a porem em destaque os seus belos seios de mulher bem doada pela Mãe Natureza.
Todos os mafrenses e tropas - muito particularmente os cadetes - andavam loucos atrás dela, sempre a arrastarem-lhe a asa...
Para mim ela era uma descoberta da minha ainda então indefinida sexualidade. Ela era um Templo que eu sonhava profanar...
Ela passava como uma rainha sem trono do qual eu gostaria de ser o Rei.
Ela era muito altiva e arrogante. Diziam mal dela e ela desprezava toda a gente à sua volta!
Era como um país independente que não queria ser invadido por insidiosos assaltantes.
Eu via-a passar, seguia-a com os olhos...
Ela vinha da praça onde tinha feito as suas compras e seguia para casa para preparar o almoço do seu pai, um capitão já reformado, o Capitão Balbino. Por isso lhe chamavam a Balbina!
Essa Balbina fazia um permanente vai e vem na minha tonta cabecinha...
Um dia, ela entra no Café Estrela com a sua amiga de Lisboa, a Alice Moreira, e compram uma garrafa de vinho do Porto.
Isto foi no dia 2 de Outubro de 1948, de manhãzinha...
Intrigado, tentando passar as muralhas que me separavam dessa mulher magnífica, pergunto que iam elas celebrar?
A Alice diz-me que iam celebrar o aniversário da Balbina.
Curiosamente, também era dia do meu aniversário.
E era-o, então!
Digo-lhes alegremente:
- Tem piada! Eu também faço hoje anos!
A Alice sugere que eu venha a casa da Balbina tomar um copo e festejar ambos os nossos aniversários. Como ela disse: "matar dois coelhos duma só cajadada!"...
Nessa tarde, quando fui ao Correio comprar selos para os clientes do Café, como a Balbina morava mesmo ao lado, passo pela casa dela, bato à sua porta, e sou recebido pela minha Deusa de ignotas Mitologias!
Celebrámos. Senti-me à vontade e feliz como um rapazinho já há muito enamorado dessa Deusa, por estar ali tão perto dela e poder tocá-la...
Alem da sua boca muito vermelha, foram as suas belas pernas muito morenas que atraíam os meus olhos curiosos...
Mais tarde vim a saber que ela fazia nesse dia 33 anos e eu 13, e que o seu nome era Maria Silvina, que os amigos a tratavam por Mariazinha e, por vezes, apenas Zinha...
Desde então comecei a visitá-la todos os dias...
Eu ia ao Correio todas as tardes por volta das três e dava sempre um salto a sua casa.
A essa hora ela estava sempre a fazer a sua sesta, deitada na sua cama de mogno, com as cortinas corridas... Deixava-me sempre a porta da frente entreaberta...
Pouco a pouco comecei a também fazer uma curta sesta nos seus braços...
As nossas bocas procuravam-se, encontravam-se, e entregavam-se...
Pouco a pouco a minha boca começou a descer a tentar descobrir outras partes daquele corpo sumptuoso... a minha boca sugava aqueles mamilos enrijados por esse amor interdito...
Rapidamente as más línguas começaram a falar e ela nunca me deixou consumar o que eu tanto a medo procurava desvendar: o seu ninho de amor! Ela, para evitar que as más línguas tivessem razão, nunca me deixou lá ir desaguar nesse mar de pétalas pretas...
Como ela era divorciada e tinha de apresentar uma certidão de bom comportamento para poder reclamar a pensão do seu ex-marido, tinha de ir todos os anos ver o Capitão Lopes, o Presidente da Câmara, o qual tinha que assinar essa certidão. Um dia ela é chamada ao seu escritório e ele preveniu-a que se ela continuasse a receber menores em sua casa, ele não poderia assinar esse documento.
Desde essa data os nossos amores proibidos tornaram-se amores clandestinos!
Encontrávamo-nos secretamente no Jardim do Cerco, para um beijo furtivo. Outras vezes na Praia de São Sebastião, na Ericeira, para uns beijos mais longos e langorosos...
Outras vezes ía-mos a Lisboa para um almoço no Martim Moniz, uma matiné, e alguns beijos fortuitos, ocultos em sombrios recantos...
Frustrado, deixei Mafra e fui trabalhar para Lisboa. Ela vinha passar uma tarde comigo, de vez em quando...
Um dia o Destino apontou-me o Horizonte e envia-me para Israel, atrás de outro amor ainda mais proibido...
Nessa manhã, dia 2 de Outubro de 1960, às 5.30 da madrugada, - fazia então eu 25 anos e ela 55 - foi ela a única pessoa que me acompanhou a Santa Apolónia, para apanhar um comboio que me levaria até Marselha, onde por sua vez, abordaria um barco Turco até à Terra Santa...
Quando o comboio arrancou, depois daquele último grande beijo de amor e despedida, debruçado na minha janela do comboio, via-a desaparecer lá ao longe, pouco a pouco, acenando, engolida pelo espesso fumo da locomotiva que vagarosamente nos separava...
Através das minhas lágrimas eu adivinhava as suas, lá ao longe, no cais....
Durante esses meus seis anos em Israel, correspondemo-nos por carta. Cartas entre cartas de amor e cartas de boas maneiras.
Depois desses seis anos, volto para Portugal e a primeira coisa que fiz foi ir dar um grande beijo à minha Mãe Coragem, ao Cacém.
Depois voei para Mafra para a ter de novo nos meus braços!
Porém as coisas tinham mudado. Ela já começava a sentir o peso dos anos, e o nosso dia limitou-se a um café no Café Esplanada, um almoço no Sobreiro, e uma saltada à Praia de São Sebastião...
Mas São Sebastião já não tinha mais beijos de amor para me dar...
Depois segui para Londres, onde muitas cartas foram recebidas e outras enviadas...
Cinco anos mais tarde venho instalar-me em Paris e as cartas continuaram regularmente.
De vez em quando enviava-lhe algumas roupas da Cidade Luz, o que ela adorava.
Um dia enviei-lhe um pequeno gravador de cassetes áudio, com uma cassete já gravada com a minha voz a falar-lhe dos nossos tempos de outrora quando a vida nos sorria...
Foi numa dessas gravações que ela me fez ouvir um fado da Amália, "Disse-te Adeus e Morri", que esse fado tinha sido, imaginava ela, inspirado naquela longínqua manhã, em Santa Apolónia...
Essa correspondência via cassetes durou muitos anos.
Haviam noites, quando ela se sentia muito só, já deitada, ao meio da noite, e conversava, conversava, até a cassete acabar...
Como ela dizia, era como se eu estivesse de novo com ela, na sua cama...
Alguns anos mais tarde, já me tinha então mudado para Meudon, isto em 2003,
o meu telefone toca ao meio duma bela manhã ensolarada...
Quando respondo oiço uma voz muito embargada que me soluçou:
- Rogério, apeteceu-me ouvir a tua voz...
Era ela! Era a voz dela!
Depois, em lágrimas, contou-me que a tinham forçada a entrar num Lar e que nesse Lar não autorizavam os animais domésticos, e que ela teve de "abandonar" o seu cãozinho, que ela tanto amava!
Preocupadíssimo acerca destas horrorosas notícias, peço-lhe que me dê o número de telefone desse Lar, para eu poder estar com ela, telefonado-lhe sempre que pudesse. A sua peremptória resposta foi:
- Não vale a pena!...
Pedi-lhe várias vezes que me desse o número desse telefone, e a resposta foi sempre a mesma:
- Não vale a pena!!!
Nessa nossa última conversa ela falou dos nossos tempos volvidos, e diz-me que estava arrependida de me não ter deixado realizar-me sexualmente com ela.
Que se ela tivesse consentido, talvez eu tivesse vivido uma vida muito diferente...
Respondi-lhe que eu tinha vivido uma vida que muitos gostariam de ter vivido, que não fizesse disso um complexo de culpabilidade!
As suas últimas palavras foram:
- Rogério, sei que fui o primeiro grande amor da tua vida. Gostaria agora que soubesses que tu foste o último grande amor da minha!
E desligou!
No dia seguinte telefono à Milu, uma amiga comum nossa, em Mafra, para ver se ela tinha esse amaldiçoado número de telefone do Lar, mas a Milu tinha-se mudado!
Dois dias ou três depois, lembrei-me de telefonar ao meu irmão Elmiro, para ver se ele sabia onde era esse Lar, se ele tinha o seu número de telefone...
Quem respondeu foi a minha cunhada, a Jesus, que friamente me responde:
- Olha, o teu irmão está no Clube a jogar às cartas e a Mariazinha foi enterrada ontem!
O telefone caiu-me aos pés e as lágrimas subiram-me aos olhos. Um irreprimível grito de dor esbarrou contra a suja vidraça da minha janela fechada!
Tempos depois tomo um avião que me leva a Lisboa e um autocarro que me levaria a Mafra.
Chegado a Mafra, eis o que se depara ante os meus olhos atónitos e magoados:
O que restava desse meu Templo de Amor de outrora... Pior do que o dilúvio!!!
Pus os pés a caminho de um certo cemitério da Vila Velha...
Lá chegado, uma alma caridosa indicou-me onde era a sua sepultura...
Depara-se-me uma silenciosa campa coberta por uma pesada pedra tumular cor de rosa.
Nem uma única flor!
Apenas insultantes imitações dum imundo plástico!
Apenas um gritante silêncio e absurdas promessas de Etrenidade!
Quando me encontrei a sós com ela, sentei-me nessa fria laje e perguntei-lhe porque me não tinha ela dado o número desse maldito Lar?
Chorei como uma criança a quem roubaram o seu triciclo que lhe tinham dado pelo Natal...
Falei-lhe dos nossos tempos passados juntos a sonhando quimeras, e jurei-lhe que sempre a amaria! Até esse dia em que eu fecharia os meus olhos para de mais perto a ver!
Quando, então, mais ninguém nos poderia separar!
Ao afastar-me, recuando, cantei-lhe docemente "Disse-te Adeus e Morri"...
Certamente que, se ela me pudesse ter escutado, em surdina, me teria devolvido essa mesma cantiga ao ver-me desaparecer, olhos postos no chão, por detrás dum jazigo empedernido...
A nossa cantiga!
Essa cantiga que durante tantos anos nos uniu!
Essa cantiga que tantos anos nos tinha separado...
Disse-te Adeus e Morri...
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Chorei ao reler este meu texto!
RépondreSupprimerSobretudo ao ver a minha foto sobre a sua campa e escutando a fabulosa voz de Amália!