dimanche 12 avril 2009
O meu D. João V.
Um dia, estando eu no Café Estrela, em Mafra, a desenhar o retrato de Greta Garbo, o senhor Assunção entra no Café e pede-me uma bica. Depois de ter tomado a sua bica, ele aproxima-se de mim, dobra-se um pouco para ver o que eu estava a fazer e, espantado com o meu jeito para o desenho, pergunta-me se eu gostaria de lhe fazer o retrato do rei D. João V.? Anuí, dizendo-lhe que precisava dum retrato desse rei, para poder fazer esse trabalho.
Dias depois, o senhor Assunção volta ao Café, trazendo-me um grande calhamaço onde havia um retrato desse rei. Mostrou-me essa página, dizendo-me que não sujasse ou perdesse esse livro, que era uma imensa relíquia da Biblioteca Nacional do Convento de Mafra!
No dia seguinte vou à Biblioteca procurar uma biografia do Eça de Queirós, e entrego o meu desenho ao senhor Assunção, o almejado retrato do D. João V. Ele ficou espantado com a minha obra. Pousa o rolo de papel Cavalinho onde eu tinha feito o boneco, em cima da sua secretária, e vai à procura do livro que eu tinha solicitado. Momentos depois regressa, trazendo na sua mão essa biografia do grande escritor português e, entalado entre as páginas, duas notas. Uma dizendo: “obrigado pelo seu talento”, e a outra, uma nota de 100 escudos, para eu comprar uma gravata.
Alguns dias depois, volto à Biblioteca para devolver a biografia do Eça e procurar um livro da Virgínia Wolf, e dou com o meu D. João V. muito bem emoldurado e plantado numa das paredes da sala de leitura. Aproximei-me e vi, no canto esquerdo da moldura, em baixo, uma advertência que dizia:
“Desenho feito por Rogério do Carmo, um dos nossos leitores de 14 anos”.
Fiquei radiante e orgulhoso da minha pequena e insignificante pessoa!
Esse desenho esteve exposto nessa parede durante 40 anos. Sempre que eu ia a Mafra, ia à Biblioteca dizer Olá ao meu D. João V.!
Passados esses anos todos, um dia, em Mafra, disseram-me que a Biblioteca tinha sido transferida para a Escola Primária, a minha querida escola, aquela casa ali na Elias Garcia, toda branca, com barras muito azuis...
Dei lá um salto e dei com o meu D. João V. sobre uma das paredes do que, em tempos, tinha sido a minha classe, onde o professor Mauro me tinha ensinado a ler, a escrever, e amar a leitura...
Aproximei-me, olhei-o bem nos olhos, e os seus imensos olhos perguntaram-me distintamente:
“Por onde tens tu andado estes anos todos, meu safado?”
Respondi-lhe com uma pequena lágrima que não consegui reter...
Hoje, esse meu desenho, é Património Municipal, asfixiando numa gaveta do Museu Regional de Mafra!
Agora, quando penso no meu D. João V, também eu asfixio! Felizmente, tenho uma cópia desse meu adorado desenho na minha sala, do tamanho do original. Todos os dias falo com ele e ele sempre me responde, com aquele grande par de olhos que um dia lhe dei, e que agora me seguem pela sala toda sempre que lá passo...
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