mercredi 27 mai 2009

Pedras da minha rua...

Gosto de olhar a minha rua
Quando a lua lá no alto me sorri
Porque encontro na minha rua
Deserta toda nua
Os passos que lá perdi
À luz de lua
Passos que lá deixei
Desperdiçados
Passos que me levaram à bruma
À frieza
Passos desorientados
Repassados de tristeza.

Vejo nas pedras da minha rua
Que tanto amei
Sob as estrelas na noite escura
Bocas! bocas que não beijei
E minha vida de amargura!
E cá do alto ao parapeito
Eu queria lá nas pedras
O corpo estatelar
Porque sinto dentro do meu peito
Um coração a soluçar
E porque não quero
Não quero mais amar!!!

mardi 26 mai 2009

O que foi Amália na minha vida...

Amália? Quem foi Amália na minha vida?

Ao longo dos anos, cresci ao som da sua inigualável Voz!

A descoberta da Voz...


Em 1940 - tinha eu 5 anos - vivia na rua do Arco do Carvalhão em Lisboa. Costumava ir sentar-me na borda do chafariz, ali mesmo à beirinha do arco, para ouvir a água a chapinhar ne ver aqueles homens apassarados a construírem a ponte Duarte Pacheco. Recordo o dia em que os vi aplicar a lage com o zero, da data da sua inauguração em 1940!Uma manhã, sentadinho à beira do meu chafariz, ouvi uma Voz que me vinha da telefonia duma taberna logo ali por detrás. Essa voz imediatamente despertou em mim uma particular atenção. Era como se ela me viesse do céu, uma dádiva de Deus. Estava atento a ouvir essa Voz que me seguiria todo ao longo da minha longa vida quando, de repente, ouço uma voz rouca de homem vociferando:-"Calem a boca, caraças, deixem-me ouvir a Amália!"Isto foi em 1940, Amália ainda não tinha gravado discos. Penso que cantava em directo da Emissora Nacional ou de alguma fita gravada. Uma coisa era certa: Já em 1940, em Lisboa, ela era já a Amália! Só alguns anos mais tarde vim a descobrir que ela se chamava Amália Rodrigues!A descoberta de Amália Rodrigues num filme...Em 1947, tinha eu 12 anos, fui ver o seu primeiro filme, Capas Negras. Fiquei imediatamente apaixonado por ela! A sua linda cara, a sua linda voz!

Na telefonia ouvia-se constantemente a sua Voz e os seus lindos fados e nos Discos Pedidos ouvia-se sempre Amália."Capas Negras"- com Amália Rodrigues e Alberto Ribeir
Anos mais tarde, trabalhava eu na Ericeira, no Café CHICO quando, inesperadamente, Amália entra com os seus guitarristas e sentam-se a uma mesa. Era uma das minhas mesas!
Fui a correr perguntar que queriam tomar!
Pediram-me quatro cervejas.Ela acomodava a sua vasta negra cabeleira, caindo-lhe pelas costas abaixoE aqueles olhos como noite de luar aquelas suas mãos muito brancas e finas E aquela boca muito vermelhaFiquei louco!

Quando saíram, acompanhei-os até à porta e quando ela passava as mulheres benziam-se, chamando-lhe Nossa Senhora do Fado. Depois vim a saber que eles estavam acampados na Foz do Lizandro, ali mesmo a dois passos.
Quando levantei a mesa peguei no copo donde Amália tinha bebido. No rebordo desse copo ficou a marca do baton dos seus lábios. Esse copo guardei-o religiosamente.
Acartei-o ao longo da minha vida, até esse dia da travessia do Canal da Mancha, quando o mar revolto enguliu a minha lancheira - o meu tesouro - onde guardava tantas coisas que me eram tão preciosas, sobretudo aquele copo!O tempo foi passando... e eu sempre a ouvir a Amália. Ia até à Rua do Carmo ouvi-la numa loja de discos onde a ouviamos constantemente. Eu morava então na Rua da Prata, que não era nada longe.

Em 1960 parti para Israel e depois de quase dois anos numa escola de hotelaria, fui fazer um estágio de três meses no King David Hotel em Jerusalem e depois mais três meses no Hotel Ginton, em Tvéria, ali à beira do lago Kineret. Após estes dois estágios recebi o meu diploma e comecei a minha carreira como profissional.

Mesmo em Eilat a voz de Amália não se esquecia...


O meu primeiro emprego foi no Queen of Sheeba Hotel em Eilat, esse maravilhoso Paraíso à beira do Mar Vermelho. Isto passou-se em 1963, quando John Kennedy foi assassinado.
Eu compartilhava um apartamento no Sing-Sing com um colega de trabalho que eu muito amava. Um dia, quando fui ao barbeiro cortar o cabelo, passei por uma loja de discos e vi um Long-Play da Amália na vitrina. Entrei e comprei o disco. Depois realizei que não tinha gira discos para o tocar e comprei também o dito.
Chegado a casa liguei o gira-discos e pus o disco a tocar e... milagre! Eu estava a ouvir a minha Voz ali em Eilat, a milhares de quilómetros de Lisboa. Ouvi esse disco algumas cinco vezes de seguida. Depois, todos os dias, Amália cantava só para mim. Só para mim? Erro! Também cantava para os vizinhos! Uma noite uma vizinha veio bater-me à porta e disse:
-“Adora a Amália Rodrigues, mas não todos os dias, o dia inteiro! É demais!”

Um magnífico concerto de Amália em Tel Aviv que marcou Rogério...



Mais tarde, em Tel Aviv, apanhei o autocarro para ir para casa e, senrtado ao pé da janela, vi um grande cartaz muito colorido colado numa parede da cidade que rezava asim:

“Amália Rodrigues – três concertos – Sábado – Domingo e Segunda, às 21 horas, no Teatro Mograbi”

Saltei do autocarro e fui a correr comprar um bilhete para Domingo, pois que estava livre nessa noite.
Chegado esse tão desejado domingo, vesti-me melhor do que o habitual para ir ao Teatro Mograbi. Mal me sentei comecei logo a ouvir as guitarras portuguesas e a minha alma encheu-se dum saudosista prazer infinito.
Momentos depois as luzes apagam-se. O pano sobe... e... lá estavam os três guitarristas que começaram com uma bela desgarrada. Quando acabaram o público aplaudiu e quando uma voz anuncia: “Rabotai u’gvirotai” – “Ladies and Gentlemen” - Senhoras e Senhores” – Amália Rodrigues!


Amália entra como uma raínha e a sala levantou-se para uma salva de palmas para a acolher. Fiquei espantado! Nem sequer sabia que a Amália já tinha estado várias vezes a cantar em Israel e que ela era já uma Deusa para esse público!
O tempo foi passando e depois fui vê-la em Jerusalem. Sempre o mesmo sucesso!

Anos mais tarde, Hella, uma amiga minha que tinha feito a escola hoteleira comigo - que trabalhava e morava então em Haifa - telefona-me para eu ir passar um fim de semana com ela. Cheguei lá Shabbat para passar uma noite e depois regressar a Tel Aviv no domingo.

Shabbat à noite, Hella põe a mesa e serve um dos seus bons jantares bem “kosher”.
Depois do jantar ela espreguiça-se, levanta-se, e diz:
-“Não me apetece mesmo nada ir lavar a loiça. Olha, vamos saír, vamos dar uma volta, está uma noite tão bonita!”
Todas as noites em Israel são bonitas... sempre um céu crivado de estrelas e a doce brisa que nos vem do mar...
Saímos e fomos a pé para, segundo a Hella, ir a uma esplanada tomar um bom café. O que fizémos.
Em frente dessa Esplanada havia um teatro e, sob os holofotes, um grande cartaz da Amália. Dei um grito e disse:
-“Raios! Vamos comprar bilhetes! Vamos ver a Amália... Conheces a Amália?”
-“Não – diz-me ela! Nem quero conhecer! De resto já está a lotação esgotada! Vamos mas para casa, estou estafada!”


Levantámo-nos para ir para casa e passámos em frente desse teatro. Parei para ver as fotos da Amália nas vitrinas. Ela empurra-me até à entrada e saca dois bilhetes da sua bolsa e diz-me:
- “Yélá, tipeche, kanesse!” = “Entra, estúpido”!


Claro que entrei. Caí-lhe nos braços e dei-lhe um grande beijo na face. Mal nos sentámos as luzes apagaram-se e o espectáculo começou: Guitarradas e logo a seguir Amália caminha como uma raínha para o centro do palco e diz: Shalom! E começa a cantar “Foi Deus”! A sala veio abaixo com aplauso!
Amália era continuamente aplaudida e, para meu grande espanto, Hella põe-se aos gritos:
-“Casa Portuguesa - Casa Portuguesa!”
Amália pensou que era uma portuguesa que reclamava essa cantiga e diz:
-“Para esta senhora, “Casa Portuguesa”! Hella dava pulos de contente e todas as cadeiras dessa fila estremeceram!




A vida de Rogério continuava.... a presença de Amália na sua vida era constante e inesquecível....


Certo dia, depois de dois julgamentos no Tribunal de Tel Aviv, por estar ilegal no país, por não ser judeu, ao fim do primeiro julgamento o juiz diz-me que eu tinha que deixar o país dentro de três meses. Levantei-me e disse ao juiz: “Nasci em Portugal por acaso, morrerei em Israel por minha própria decisão!” Esta frase fez os cabeçalhos de todos os jornais israelitas na manhã seguinte!
Quando do segundo julgamento, a mesma coisa aconteceu: “Senhor Carmo, tem três meses para deixar o país!” Novamente me levanto e grito: “Se o senhor Juiz quer que eu deixe Israel, terá de me agarrar pelos colarinhos, pôr-me em cima dum barco em Haifa, e eu voltarei a nado!” Novos cabeçalhos para todos os jornais!
Depois destes julgamentos, os meus patrões no Hotel Hod em Herzelia, começaram a ser também convocados pelas autoridades pelo facto de eles darem trabalho a um “goy”!

Deixei Israel e fui dar uma volta pela Europa. Viagem que terminou em Londres. Em Londres, depois de alguns problemas burocráticos, arranjei trabalho no Hilton Park Lane e instalei-me em Chalk Farm. Sempre que ia ao East End fazer compras –a velha mania de me aperaltar- comprava sempre discos da Amália mas, em 5 anos, ela nunca foi cantar a essa cidade.
Depois de Londres sigo para Paris e aí, novamente, uma amiga minha - a Raymonde - prega-me a mesma partida: levou-me até Chatelet para tomarmos um café no Sarah Bernahardt e, catrapus! No Theatre de la Ville, ali mesmo ao lado: Amália Rodrigues! Novamente lotação esgotada e Raymonde não tinha comprado bilhetes. Novamente sou empurrado até à entrada e os bilhetes aparecem como por milagre! Outra noite inesquecível. Amália estava linda e cantou como nunca tinha cantado. A sua voz estava mais grave e mais quente.


Depois vieram tempos difíceis e, à beira do suicídio, agarro em todos os meus poemas que tinha escrito ao longo da minha vida, folhas amarelecidas pelos anos e, para não deitar todos os meus poemas ao lixo, envio toda aquela papelada num grande envelope endereçado a: Amália Rodrigues – Rua de São Bento – Lisboa – Portugal. Os poemas lá seguiram e eu lá segui também a viver a minha vida cheia de frustrações.

Muitos anos mais tarde, em Lisboa, estava eu a ouvir a rádio quando Ary dos Santos começa a dizer um poema onde ele fala de muitos poetas seus contenporâneos e, entre todos esses poetas, ele diz “e ao Rogério que eu nunca disse”! Eu sabia lá quem era esse Rogério...

Depois, com alguns amigos, fundámos a Rádio Alfa de Paris e comecei a trabalhar o melhor que podia. Um dia vejo anunciado num jornal um espectáculo com Amália no Olympia. Telefono ao Olympia e eles dão-me a morada do hotel onde ela se costumava alojar.

Telefono a esse hotel e peço para falar com a Amália. Quem atendeu o telefone foi o seu empresário, Jean-Jacques Lafaye. Obtive uma entrevista com ela. A minha primeira entrevista com a minha idolatrada Amália!

Encho-me de coragem, agarro no meu gravador e vou com o fotógrafo entrevistar a Amália ao Hotel Eduardo VII na avenida da Ópera.



Esperámos algum tempo... depois ela desceu ao hall e veio ao nosso encontro. Como sempre, estava linda!
O fotógrafo fez algumas fotos e eu gravei a entrevista e foi tudo!
Ela ia cantar ao Olympia e eu lá fui eu uma vez mais ao Olympia escutá-la.

Sempre que a Amália vinha cantar a Paris eu ia entrevistá-la.
Sempre em hoteis diferentes.
Pouco a pouco começámos uma pequena amizade recíproca.
Um dia eu tinha o jornal “O Encontro” comigo e nesse jornal um poema meu:
-“O Aprendiz”. Mostrei-lhe. Ela pôs os áculos e leu em silêncio.
Depois diz-me: “Eu gostava de cantar isto... mas cortaria alguns versos”. Começou a ler em voz alta como ela o cantaria.
Meu Deus! O meu poema na sua voz era um hino à minha mãe. Parece que também à sua!
Antes de nos despedirmos ela pergunta: “Não me diga que você é o Rogério que, há anos, me enviou todos os seus poemas para minha casa?” Anuí!
Ela então conta-me que tinha lido tudo, que se identificava muito com o que eu escrevia, que tinha dado tudo ao Ary dos Santos para ele fazer conhecer o meu trabalho aos outros poetas de Lisboa. Daí talvez o tal “Rogério que eu nunca disse”...

Depois de ter editado o meu primeiro livro de poemas, Sombras, envio-lhe uma cópia para a Rua de São Bento. Quando ela volta a Paris para cantar, de novo a vou entrevistar e, como sempre, depois de ter acabado a gravação, ficávamos na conversa até mais tarde. Nessa tarde ela diz-me que tinha lido um fado que eu lhe tinha escrito, “O Inverno da Vida” e que gostaria de o cantar. Eu disse-lhe que se ela o fizesse eu seria o homem mais rico deste mundo.

Em outro dos seus espectáculos em Argenteuil, depois do espectáculo, ela vem ao hall para assinar autógrafos. Ela aproxima-se de mim, põe a sua linda mão no meu trémulo ombre e diz-me: “Rogério, escolhi dois dos seus poemas para o meu último disco”!
Tenho uma foto desse sublime momento da minha vida!

A última vez que entrevistei a Amália, quando ela voltou ao Olympia, durante a gravação, como eram os seus 50 anos de carreira, perguntei-lhe quando é que ela deixaria de cantar. A sua resposta foi:

-“Enquanto houver gente que venha aos espectáculos da Amália, eu também venho!”

Quando lhe perguntei quais os seus planos de futuro ela responde: “O Futuro não existe!” Então falemos do passado! “O Passado nunca existiu!” Então falemos do presente... “O Presente são apenas aqueles momentos que continuamente nos caem do céu e que mal chegam logo morrem!”

Quando a Amália nos deixou, chorei como uma criança que perdera o caminho numa imensa floresta povoada de sanguinários predadores, sem saber como encontrar a saída!
Na festa dos 20 nos da Alfa vou à Sala Vasco da Gama para celebrar com todos esse dia tão especial.
Nessa noite haviam fados e estava lá a cantar o Jorge Fernando, o homem que fez as músicas para o último disco da Amália. Perguntei-lhe se ela tinha gravado “O Aprendiz” e ele diz-me que lhe parecia que sim, mas não tinha a certeza. Como resposta ao Jorge disse-lhe que ela me tinha dito que ela gostaria de cantar o meu poema mas que, se calhar ela dizia isso a todos os poetas que lhe faziam poemas...

O Jorge Fernando põe uma das suas mãos sobre um dos meus ombros e declara:

-“Quando a Amália dizia que gostaria de cantar fosse o que fosse, ela sempre o fazia!”

******

Em 1989, depois de a ter entrevistado algumas vezes, fiz-lhe um poema que nunca lhe mostrei, pois temi um mutuo embraço, pois que era nitidamente uma declaração de amor! Claro que ela nunca o poderia cantar, mas, mesmo assim, bem gostaria de o ouvir cantado por fadista que dela gostasse.

A NORA
(à Amália)

Vai de roda vai de roda
vai de roda sem parar
e esta roda que mal roda
um dia hás-de cantar
como os fados que cantaste
e no peito me deixaste
o desejo de voltar
e este meu sem eira nem beira
perto da tua cabeceiura
um dia há-de estacar.

Sobre este mar encapelado
meu barquinho naufragadao
numa praia rebatida
como ao soar da partida
uma praia portuguesa
com pão e vinho sobre a mesa
um dia há-de atracar
e a todas as portas que bati
e os comboios que perdi
um dia hei-de cantar
nesta minha maneira de chorar.

E eu sentado na praia
a contar as ondas do mar
e naquelas noites de bruma
o mar em branca espuma
minhas lágrimas secará
e aquele meu sonho renegado
neste fado será cantado
e o mar comigo chorará.

E chora o mar e chora o vento
este meu último lamento
nessa voz que me foi na vida
a minha única guarida
chora voz essa voz só tua
que faça sol ou faça lua
se ainda lavo no rio
e na rua hei-de ficar
chora chora meu amor
antes que o mar se vá embora
chora chora
até que eu deixe de chorar
e este amor que não importa
não bata mais à tua porta
chora chora meu amor
que minha alma já está morta.

Vai de roda vai de roda
que esta roda já cansou
chora chora meu amor
que a minha nora já secou.

Rogério do Carmo
Paris, 1989

O silêncio dos ruídos ou o ruído dos sillêncios?

Deve ser tarde porque os ruídos cessaram,

os da casa, nenhuma luz no corredor, emudeceram os canos,

nem uma tábua da cama ao mudar de posição,

nem atrito dos lençóis entre as minhas pernas.

Lá fora,

os candeeiros iluminam a rua a baixa densidade

que não chegam a banhar reflexos nos vidros.

Deve ser tarde porque os cachorros desistem

imóveis nos tufos dos canteiros,

tão inertes que se confundem com as pedras.

Estou acordada entre pedras,

se calhar uma pedra eu também.

Na rua, à esquina,

intercepção de duas ruas que vão dar a lado nenhum,

espreita a lua.

Lavanta-se o vento

acariciando as folhas das árvores que gemem baixinho.

Parece que existem momentos

nos quais há um intervalo de doçura em mim,

levantam-me do chão, sinto um corpo a apertar-me,

dedos que me desarrumam a cara,

isto o espaço de um instante

e eu sozinha de novo.

Pergunto-me se teria sido um indício,

não cheiro nem som, contaram-me as árvores talvez,

ou tão somente o meu sonho desperto.

Sorrio, escapando essa parvoíce a que chamam ternura,

que me importa a ternura,

importa-me que os ruídos cessem,

os meus, os da casa, os dos cachorros

quando correm atribulados de desejo,

o mundo em resumo, permitam-me que envelheça em paz

e me sinta viva com os ruídos que identifico,

para serenamente manter-me longe

dos que julgam que nos perderam

e não nos ganharam nunca,

mantém-te longe e cala-te,

tanto quanto eu me mantenho longe e me calo.

Hoje não sei o que se passa comigo,

não há uma só veia minha que não estale,

esta no coração por exemplo,

daqui a nada rebenta de embolia.

Silêncio.

E os dentes na almofada a morder recordações,

sussurrar mistérios de baú no interior da alma,

visto que é no silêncio e quando menos se espera

que os baús se lamentem.

No Facho em Dezembro,

havia alturas em que o mar era sereno com uma paz de nuvens em cima

que ganas de beijar as pedras,

reencontra-las, senti-las na palma, aproxima-las da bochecha,

oferece-las àquele a quem gostava de dizer tantas coisas,

cacarejar de tolices, intimidade que por pudor escondi.

Descobri, no que respeita ao horizonte,

torna-se difícil distinguir o céu do mar,

não um risco como de costume,

o risco ausente de forma que impossível é saber

o sítio em que o céu se dobrava e começava a onda,

em que a espuma a franzir-se morria na areia brilhante,

sem marcas de pés ao retirar-se

e eu, não de braços afastados, pegados ao corpo numa atitude de entrega.

-Quem não se entrega, desmerece ter Alma.

A minha, não me sai do corpo,

protesta fechada e precisa de espaço para arrumar as desimportâncias da vida.

Salpico de azul o negro da noite,

rumo a um novo Despertar.


Anabela Silva Gonçalves




dimanche 24 mai 2009

Editor - procura-se!































































































































































Nunca compreenderei a razão pela qual de repente me veio esta necessidade imperiosa de escrever as minhas memórias, de fazer ressuscitar o meu Passado. Talvez esta certeza dum Futuro certamente já curto e sem grandes surpresas?

Uma cois a é certa: Um noite entrevistei José Jorge Letria quando da sua passagem por Paris para estar presente na Casa de Portugal, na Cidade Universitária de Paris, para o famoso "Prémio Internacional de Poesia Florbela Espanca", ao qual ele tinha concorrido. Prémio esse instaurado pela pintora Maria Eduarda Guimarães.

Para a Rádio Alfa de Paris, da qual sou um dos fundadores, fui entrevistá-lo a casa do autor-compositor-intérprete Fernando Marques, do qual era um grande amigo,que habitava ali para os lados da Torre Eiffel, onde ele se tinha alojado para a sua curta passagem por esta cidade.
Depois de terminada essa entrevista gravada, após todas as perguntas com as quais o bombardeei para satisfazer a minha curiosidade sobre o personagem,
foi ele que depois, talvez impressionado pela minha personalidade, que me crivou de perguntas sobre a minha pessoa, a minha vida, a minha carreira na rádio. Como sou um homem muito assumido e detesto andar mascarado da pessoa que eu gostaria de ter sido, decidi expor-me totalmente nu, mostrando-lhe a pessoa que eu realmente era! Falámos da minha infância, dos meus tempos de escola primária em Mafra, onde nem sequer acabei a terceira-classedos sonhos de miúdo de ser artista, pintor, poeta, escritor, bailarino, actor, de tudo o que eu quis ser na vida e que nunca realmente cheguei a ser. Apenas sobrevoei sobre certas oportunidades de ter chegado a realizar uma dessas muitas ambições minhas de adolescente!

Nunca cheguei a ser nada do que sonhara ser, contentei-me com a minha ambição de ser simplesmente feliz com o pouco que tantas portas fechadas me deixaram ser: Feliz!