Desde muito pequeno que sempre tive problemas de miopia. Comecei a usar óculos quando eu tinha apenas 13/14 anos. Para mim foi um insulto pois que tinha os olhos mais bonitos de Mafra! Mulheres e raparigas vinham ao Café Estrela, onde eu então trabalhava, comprarem bombons ou Pastéis de Feijão - por mim fabricados - só para verem os meus belos olhos verdes de então. Isto, afirmação da Fernanda e a Manóia, as mulheres que me embalaram quando eu tinha três anos, que depois, durante 67 anos, nunca mais nos vimos e que, após esses anos todos, eu reencontrei no Sobreiro, mesmo em frente da Casa da Brasileira, onde eu, 74 anos atrás, tinha nascido!
Já lá vão uns anos, em Paris, num dos mais famosos hospitais de oftalmologia do mundo, fizeram-me uma "refracção de miopia" ao meu olho esquerdo. Depois da intervenção ela pede-me para me repousar 20 minutos, na sala ao lado, sobre uma cama, para ela depois verificar como o meu olho tinha reagido. Durante esses 20 minutos, confortavelmente deitado nessa cama esterilizada, olhei em redor e vi, com grande espanto, que eu via como nunca tinha visto na vida! Olhava os cartazes espalhados pelas paredes e podia ler todas as letras, das maiores às mais minúsculas! Uma felicidade indescritível se apoderou de mim!
Quando ela veio verificar os resultados disse-me, muito contente consigo própria, que estava tudo bem, que os resultados eram óptimos! Que viesse dentro de dois dias para uma nova inspecção.
Saí do hospital radiante da minha sorte. O Pat conduziu-me no seu carro até casa, e eu podia ler todos os nomes das ruas por onde passávamos, coisa que ele, que vê muito bem, não conseguia! Senti-me como um contemplado por um dos mais fabulosos milagres que me podiam ter acontecido!
Durante um mês tive de ir ver o mesmo cirurgião para ela controlar a minha convalescença. Três visitas foram feitas e, segundo ela, estava tudo bem a 100%!
Na última vez que fui a esse "check-up", na sala de espera, a meu lado, estava sentado um rapaz encantador. Conversámos imenso, e eu confesso-lhe que a médica que me tinha feito essa intervenção era um amor de pessoa e uma grande profissional, que me tinha dado a vista! Ele concordou comigo, dizendo-me que ela era uma amiga sua, que ele a tinha vindo ver para lhe fazer uma pergunta acerca dos seus olhos e marcar uma consulta, e que ela lhe tinha dito que a solução para o seu caso seria uma refracção de miopia. Que esperasse na sala de espera, que ela faria essa intervenção nesse mesmo dia! Ele estava encantado com a proposta. Porém, quando, depois de 5 horas de espera eu fui chamado, essa médica me diz que nesse dia ela não tinha tempo para mim! Disse-lhe que tinha falado com jovem Grinberg, e que ele me tinha dito qe ia ser operado nessa mesma tarde, e que ele nem sequer tinha marcado consulta. Que ela não tinha o direito de me fazer esperar 5 horas e depois dar a minha vez a um amigo seu!
Ela diz-me que "chez-elle" ela fazia o que muito bem lhe apetecia! Retorqui que, "chez-elle" eu estava d acordo, mas que ela, ali no hospital, não estava "chez-elle", mas nas suas funções de profissional de oftalmologia, que ela não tinha o direito de dar a minha vez a um amigo pessoal seu! Ela embuchou e deu-me outra data para a semana seguinte.
Chegada essa data sou um dos primeiros a ser recebido. Ela verifica o meu olho esquerdo e declara que eu o meu olho precisava dum retoque, e deu-me outra data para esse sugerido retoque.
Um mês mais tarde venho para o retoque. Antes de descer ela fez-me assinar uma declaração onde estava escrito que eu aceitaria os resultados dessa intervenção, fossem eles quais fossem! Depois desse retoque que tinha sido feito por ela, desta vez discutindo com os seus assistentes acerca de um casamento onde ela tinha sido convidada, dos vestidos que fulana e beltrana tinham posto para esse evento, tudo pessoal do mesmo hospital. Imediatamente senti que ela estava a falar demais e pouco concentrada, mas fazia-lhe inteira confiança no seu profissionalismo e no Sermão de Hippocrate que ela, por sua vez, um dia tinha certamente assinado!
Acabado o relato acerca desse casamento Judaico, onde o Rabino tinha dito que eles iriam ser muito felizes e terem muitos meninos, ela "c'est fini" e pede-me para eu ir descansar 20 minutos no quarto ao lado, como da primeira vez.
Quando me deitei sobre essa mesma cama que me acolhera da outra vez, olho para todos esses mesmos cartazes espalhados pelas paredes, e não conseguia ler uma única palavra neles escritas! Entrei num pânico mortal!
Quando ela entrou no quarto para verificar os resultados da intervenção, antes mesmo de ela ter inspeccionado o meu olho acabado de ser retocado, digo-lhe:
-Madame, penso que desta vez as coisas não correram bem. Vejo ainda menos do que antes da primeira refracção que me fez e que quando saí do hospital via mosquitos pousados na Torre Eiffel, e que desta vez nem sequer conseguia ler os dísticos dos cartazes ali a dois metros de mim!
A sua resposta foi:
"Eu sei! Correu tudo mesmo muito bem!"
Dois dias depois tive de voltar às suas mãos assassinas, isto depois de ter contado o acontecido às recepcionistas, que achavam piada às minhas larachas! Não sei o que se passou, mas a verdade é que, enquanto a assassina pretendia verificar o meu olho, entra uma outra médica que lhe pede autorização de ser ela a verificar os resultados. Essa médica inspeccionou o meu olho durante uns minutos e depois vira-se para a outra e disse-lhe:
- Ameline, o problema com o olho esquerdo do senhor Carmo é que ele esteve demasiado tempo exposto ao lazer!"
Ela disse-lhe ia fazer um outro retoque e a outra médica retorquiu-lhe que ela sabia muito bem que agora mais nada se podia fazer, que era "irreversível"!
Furioso com a maldade dessa mulher que abusou do seu poder sobre um dos seus pacientes, a despeito do "Sermão de Hipócrates" voltei a casa com a morte na alma. Escrevi uma longa carta a queixar-me ao Director Geral desse hospital, e foi o seu assistente quem me respondeu. Recebi três cartas dele. Eu tinha pedido uma confrontação entre mim, essa cirurgião, o o responsável do seus Serviços, mas escreveram-me que o meu problema era muito complicado e que contactasse uma outra Instituição que se encarregava de uma indemnização. Meses depois essa Instituição envia-me uma carta a dizer que eu não tinha nenhuns direitos a nenhuma indemnização!
Enviei cartas expondo que eu tinha sido vítima de um abuso de poder de uma mulher rancorosa a todos os jornais franceses e a todos os Ministérios possíveis e imaginários, e não obtive uma única resposta fosse de quem fosse!
Desesperado, envio a mesma carta a todas os canais de televisão, e apenas um me telefonou a perguntar-me se eu tinha assinado alguma declaração imposta pelo cirurgião. Respondi que sim, que não tinha tido qualquer outra alternativa!
A resposta de senhor da televisão foi:
- Désolé, on peux rien fare pour vous!
Moralidade da história, fiquei quase cego do olho esquerdo para o resto da minha vida e essa senhora sem moralidade alguma, continua as suas funções nesse mesmo hospital sem ser punida,e à vontadinha para outras próximas vítimas!
O médico que todos os anos me fazia o "check-up" já lá 30 anos, quando o fui ver recusou-se a receber-me. Esse médico ao qual eu um dia disse que "tínhamos envelhecido juntos", o qual, sempre que,por acaso, passava por mim na rua se lembrava do meu nome e me dizia até à próxima!
A minha única pergunta é a seguinte:
Será que no país considerado o mais democrático do mundo, possa consentir que essa Democracia se limita a pessoas perigosas para a Humanidade? E para as vítimas não há Democracia?