A NORA
(à minha querida Amália)
Vai de roda vai de roda
vai de roda sem parar
e esta roda que mal roda
um dia hás-de cantar
como os fados que cantaste
e no peito me deixaste
o desejo de voltar
e este meu eira nem beira
perto da tua cabeceira
um dia há-de estacar.
Sobre este mar encapelado
o meu barquinho naufragado
numa praia rebatida
como ao soar da partida
uma praia portuguesa
com pão e vinho sobre a mesa
um dia há-de atracar
e a todas as portas que bati
e os comboios que perdi
um dia hei-de cantar
nesta minha maneira de chorar.
E eu sentado na praia
a contar as ondas do mar
e naquelas noites de bruma
o mar em branca espuma
minhas lágrimas secará
e aquele meu sonho renegado
neste fado será cantado
e o mar comigo chorará.
E chora o mar e chora o vento
este meu último lamento
nessa voz que me foi na vida
a minha única guarida
chora voz essa voz só tua
que faça sol ou faça lua
se eu ainda lavo no rio
e na rua hei-de ficar
chora chora meu amor
antes que o mar se vá embora
chora chora
até que eu deixe de chorar
e este amor que não importa
não bata mais à tua porta
chora chora meu amor
que a minha alma já está morta.
Vai de roda vai de roda
que esta roda já cansou
chora chora meu amor
que a minha nora já secou!
Rogério do Carmo
Paris, 1989
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