Vou tentar explicar a inesperada aparição dum poema meu em Hebraico, essa língua morta que me fez viver os mais felizes anos da minha vida: a minha Juventude!
Em Israel, fiz um curso de hotelaria numa grande escola em Herzelia. Nessa escola tive inúmeros condiscípulos que passaram temporariamente na minha vida. Um, porém, o Miki, que, no dia em que o professor me quis pôr fora da aula por eu não ser Judeu, se levantou e, com a sua muito rouca voz, atirou peremptoriamente :
- Se o Carmo sair, eu também saio !
O meu querido Miki, que um dia a Morte mo levaria tão precocemente! Mas até essa trágica data, passaria a ser um dos melhores amigos da minha vida ! Até essa data, ficámos sempre em contacto. Trabalhámos juntos no Tel Aviv Hilton. Durante esse período fui hospitalizado e foi ele, Miki, um dos poucos que me vieram visitar, trazer flores para alegrar o meu quarto, frutas, bolos, cigarros, e o único que me veio buscar ao hospital e me levou para sua casa em Herzelia, para meu o restabelecimento. Entretanto tinha casado com uma mulher encantadora, e tinha três adoráveis filhos ainda muito putos e muito irrequietos! Ele deu-me o quarto da sua filha e ela foi dormir para a sala. À tarde, cada vez que Miki voltava a casa depois do seu trabalho no Hilton, ele gritava aos miúdos:
- Pouco barulho! Deixem o Carmo descansar!
Porém eles não me incomodavam mesmo nada. Era o Miki, aos gritos, a mandá-los calar, que me acordava! Durante esses dias que lá passei, acarinhado por ele e sua mulher, a minha querida Adela, dediquei-me imenso aos seus três filhos. Eram o Sharon, o Eyal, e o Ishai. A filha era dum primeiro casamento da Adela.
Quando eu já estava quase recuperado, Miki pediu ao director do hotel permissão para eu me alojar num pequeno quarto desse hotel, à beira da piscina, para que ele pudesse estar assim mais perto de mim, e para que os nossos outros colegas pudessem visitar-me mais facilmente. Eu adorava esse hotel, o seu director, o Miki e todos os outros colegas. Nesse hotel, logo no primeiro ano, em 1976, recebi o prémio do melhor recepcionista do ano. Mais tarde um realizador de cinema francês, ao ver-me sempre alegremente a fazer o meu trabalho, chegou-se à recepção e pôs-me o seu cartão na mão, dizendo-me que eu era um desperdício ali atrás dum balcão, que eu devia estar sobre um palco! Que o viesse ver a Paris e que ele faria de mim uma grande vedeta! Imediatamente pedi a minha transferência do Hilton Tel Aviv para o Hilton em Paris! O Director chamou-me ao seu escritório, pedindo-me que não partisse, que ele estava muito contente com o meu trabalho, e que queria propor-me as funções de seu assistente, pelo facto de eu falar sete línguas. Recusei! Eu queria ser uma grande vedeta! Com lágrimas nos olhos deixei Israel, Tel Aviv, esse hotel e colegas que adorava, peguei na minha mala, apanhei um avião, e regressei a Paris!
Chegado a Paris, o Hilton não me pôde dar trabalho, pois que os meus papeis tinham ultrapassado a validade de estadia em França. Fui falar com esse realizador de cinema, ali nos Campos Elísios. Imediatamente ele me propôs um papel num dos seus filmes, então em preparação. Aí começou o meu calvário! Sem papéis eu não podia trabalhar legalmente no país e vi-me obrigado a trabalhar ao "negro", fazendo limpeza em casa de madames que não gostavam de arruinar o escarlate verniz das suas belas burguesas unhas! Felizmente tinha um amigo que me acolheu num quarto que tinha disponível no seu pequeno apartamento.
Uma bela quinta-feira, recebo um telefonema desse realizador para eu estar no próximo domingo, às oito em ponto, no Café "Aux Trois Obus", em Porte de Saint-Clous, para umas filmagens de exterior. Na sexta ele volta a telefonar-me a perguntar-me se eu era Judeu. Como receava o anti-semitismo em França, e porque não era Judeu, disse-lhe que não! No sábado ele volta a telefonar a dizer-me que o meu papel no seu filme tinha sido excluído! Mais tarde, depois de termos fundado a Rádio Alfa de Paris, recebo um "dossier de presse" dele, para ser meu convidado na minha emissão, para promover o seu filme, o tal onde o meu papel tinha sido suprimido. Quando ele me viu, muito espantado, a primeira coisa que me disse foi:
- Você está ver? Eu bem lhe tinha dito! Em Paris você seria uma vedeta!
Respondi-lhe secamente que eu não era nenhuma vedeta, que tinha andado a manhã toda a fazer limpeza em casa dos outros para poder dar-me ao luxo de ter jantar nessa noite!
Meses mais tarde, uma noite, apreciando uma entrevista dum pseudo-actor francês - que era Judeu - uma das coisas que ele afirmou que muito me chocou e me abriu os olhos a fazer-me aperceber desse indecente monopólio, foi: Para fazer cinema é preciso ser-se Judeu!
Por essa injusta razão andei 10 anos em Paris a fazer limpeza para ganhar a minha vida! Na rádio eu não era remunerado, trabalhava por amor a essa rádio que me tinha saído das entranhas!
Entretanto sempre que ia a Israel ficava em casa do Miki, e quando o Miki vinha a Paris ficava no meu quarto. Nunca nos separámos! Quando, um dia, tive uma chamada de Israel a dizerem-me que o Miki tinha morrido, eu, desarvorado, saltei no primeiro avião e corri para sua casa! O Miki já tinha sido enterrado. Jazia ali no cemitério de Herzelia, a dois passos donde morara! Adela levou-me lá a ver a sua campa. Frente a essa campa, pondo uma pedrinha sobre a sua pedra tombal, tal como tinha feito com o meu irmão Alberto e meu irmão Carlos, que tinham tão cruelmente deixado este mundo ainda tão jovens, mentalmente lhe jurei:
- Miki! Obrigado por me teres feito três filhos maravilhosos! Vou amá-los por ti, vou viver por ti a tua paternidade!
Entretanto o tempo passou, Sharon casou e seguiu para os Estados Unidos, Ishai continuou os seus estudos, e o Eyal tinha acabado o seu curso de medicina e tinha-se instalado em Haifa. Uma vez ele veio passar uns dias comigo em Paris, e quando eu o fiz ouvir o poema que tinha feito ao seu pai, numa faixa do meu disco, dito por mim com toda a minha alma, as lágrimas correram-lhe discretamente pela face. Sempre que ia a Israel ia ficar na casa da Adela, em Herzlia, e dormia na cama do Miki, com uma larga janela que dava para o grande terraço onde ele, uma noite de lua cheia, recostado na sua cadeira, olhando-me fixamente nos olhos, depois dum longo silêncio, me disse algo que eu jamais ouvira saindo da boca fosse de quem fosse : - Carmo ! I love you ! Eyal entretanto casou-se, mudou-se para um Kibbutz, tornou-se meu amigo no Facebook, e insinuou que gostaria de ter o meu poema a seu pai na sua página. Assim como que muito brevemente ele viria a Meudon passar uns dias comigo e apresentar-me a sua esposa!
Senti
Sempre senti
Sentimento assim
Sempre tive
Que Israel
Pequeno país
Pequeno pequenino
Sem espaço que chegue
Para todo o meu amor
Para todo o seu amor !
Para todos os amigos
Que lá tive
Todos os amigos que lá tenho !
Agora Miki
Sem ti
Israel cada vez mais pequeno
Cada vez mais pequenino
Sem espaço para mim
Sem espaço para ti !
Amigo como tu tive
Amigo como tu um dia tive
Nesse país tão pequeno
Nesse país tão pequenino !
Juntos estivemos
Juntos estaremos
Juntos aconteceu
Num país tão pequeno
Tão pequenino !
Jamais haverá espaço
Para o nosso grande amor
Num país tão pequeno
Num país tão pequenino.
O meu país, o nosso país, o teu país!
Paris, 16 de Abril, 1985.
Em Israel, fiz um curso de hotelaria numa grande escola em Herzelia. Nessa escola tive inúmeros condiscípulos que passaram temporariamente na minha vida. Um, porém, o Miki, que, no dia em que o professor me quis pôr fora da aula por eu não ser Judeu, se levantou e, com a sua muito rouca voz, atirou peremptoriamente :
- Se o Carmo sair, eu também saio !
O meu querido Miki, que um dia a Morte mo levaria tão precocemente! Mas até essa trágica data, passaria a ser um dos melhores amigos da minha vida ! Até essa data, ficámos sempre em contacto. Trabalhámos juntos no Tel Aviv Hilton. Durante esse período fui hospitalizado e foi ele, Miki, um dos poucos que me vieram visitar, trazer flores para alegrar o meu quarto, frutas, bolos, cigarros, e o único que me veio buscar ao hospital e me levou para sua casa em Herzelia, para meu o restabelecimento. Entretanto tinha casado com uma mulher encantadora, e tinha três adoráveis filhos ainda muito putos e muito irrequietos! Ele deu-me o quarto da sua filha e ela foi dormir para a sala. À tarde, cada vez que Miki voltava a casa depois do seu trabalho no Hilton, ele gritava aos miúdos:
- Pouco barulho! Deixem o Carmo descansar!
Porém eles não me incomodavam mesmo nada. Era o Miki, aos gritos, a mandá-los calar, que me acordava! Durante esses dias que lá passei, acarinhado por ele e sua mulher, a minha querida Adela, dediquei-me imenso aos seus três filhos. Eram o Sharon, o Eyal, e o Ishai. A filha era dum primeiro casamento da Adela.
Quando eu já estava quase recuperado, Miki pediu ao director do hotel permissão para eu me alojar num pequeno quarto desse hotel, à beira da piscina, para que ele pudesse estar assim mais perto de mim, e para que os nossos outros colegas pudessem visitar-me mais facilmente. Eu adorava esse hotel, o seu director, o Miki e todos os outros colegas. Nesse hotel, logo no primeiro ano, em 1976, recebi o prémio do melhor recepcionista do ano. Mais tarde um realizador de cinema francês, ao ver-me sempre alegremente a fazer o meu trabalho, chegou-se à recepção e pôs-me o seu cartão na mão, dizendo-me que eu era um desperdício ali atrás dum balcão, que eu devia estar sobre um palco! Que o viesse ver a Paris e que ele faria de mim uma grande vedeta! Imediatamente pedi a minha transferência do Hilton Tel Aviv para o Hilton em Paris! O Director chamou-me ao seu escritório, pedindo-me que não partisse, que ele estava muito contente com o meu trabalho, e que queria propor-me as funções de seu assistente, pelo facto de eu falar sete línguas. Recusei! Eu queria ser uma grande vedeta! Com lágrimas nos olhos deixei Israel, Tel Aviv, esse hotel e colegas que adorava, peguei na minha mala, apanhei um avião, e regressei a Paris!
Chegado a Paris, o Hilton não me pôde dar trabalho, pois que os meus papeis tinham ultrapassado a validade de estadia em França. Fui falar com esse realizador de cinema, ali nos Campos Elísios. Imediatamente ele me propôs um papel num dos seus filmes, então em preparação. Aí começou o meu calvário! Sem papéis eu não podia trabalhar legalmente no país e vi-me obrigado a trabalhar ao "negro", fazendo limpeza em casa de madames que não gostavam de arruinar o escarlate verniz das suas belas burguesas unhas! Felizmente tinha um amigo que me acolheu num quarto que tinha disponível no seu pequeno apartamento.
Uma bela quinta-feira, recebo um telefonema desse realizador para eu estar no próximo domingo, às oito em ponto, no Café "Aux Trois Obus", em Porte de Saint-Clous, para umas filmagens de exterior. Na sexta ele volta a telefonar-me a perguntar-me se eu era Judeu. Como receava o anti-semitismo em França, e porque não era Judeu, disse-lhe que não! No sábado ele volta a telefonar a dizer-me que o meu papel no seu filme tinha sido excluído! Mais tarde, depois de termos fundado a Rádio Alfa de Paris, recebo um "dossier de presse" dele, para ser meu convidado na minha emissão, para promover o seu filme, o tal onde o meu papel tinha sido suprimido. Quando ele me viu, muito espantado, a primeira coisa que me disse foi:
- Você está ver? Eu bem lhe tinha dito! Em Paris você seria uma vedeta!
Respondi-lhe secamente que eu não era nenhuma vedeta, que tinha andado a manhã toda a fazer limpeza em casa dos outros para poder dar-me ao luxo de ter jantar nessa noite!
Meses mais tarde, uma noite, apreciando uma entrevista dum pseudo-actor francês - que era Judeu - uma das coisas que ele afirmou que muito me chocou e me abriu os olhos a fazer-me aperceber desse indecente monopólio, foi: Para fazer cinema é preciso ser-se Judeu!
Por essa injusta razão andei 10 anos em Paris a fazer limpeza para ganhar a minha vida! Na rádio eu não era remunerado, trabalhava por amor a essa rádio que me tinha saído das entranhas!
Entretanto sempre que ia a Israel ficava em casa do Miki, e quando o Miki vinha a Paris ficava no meu quarto. Nunca nos separámos! Quando, um dia, tive uma chamada de Israel a dizerem-me que o Miki tinha morrido, eu, desarvorado, saltei no primeiro avião e corri para sua casa! O Miki já tinha sido enterrado. Jazia ali no cemitério de Herzelia, a dois passos donde morara! Adela levou-me lá a ver a sua campa. Frente a essa campa, pondo uma pedrinha sobre a sua pedra tombal, tal como tinha feito com o meu irmão Alberto e meu irmão Carlos, que tinham tão cruelmente deixado este mundo ainda tão jovens, mentalmente lhe jurei:
- Miki! Obrigado por me teres feito três filhos maravilhosos! Vou amá-los por ti, vou viver por ti a tua paternidade!
Entretanto o tempo passou, Sharon casou e seguiu para os Estados Unidos, Ishai continuou os seus estudos, e o Eyal tinha acabado o seu curso de medicina e tinha-se instalado em Haifa. Uma vez ele veio passar uns dias comigo em Paris, e quando eu o fiz ouvir o poema que tinha feito ao seu pai, numa faixa do meu disco, dito por mim com toda a minha alma, as lágrimas correram-lhe discretamente pela face. Sempre que ia a Israel ia ficar na casa da Adela, em Herzlia, e dormia na cama do Miki, com uma larga janela que dava para o grande terraço onde ele, uma noite de lua cheia, recostado na sua cadeira, olhando-me fixamente nos olhos, depois dum longo silêncio, me disse algo que eu jamais ouvira saindo da boca fosse de quem fosse : - Carmo ! I love you ! Eyal entretanto casou-se, mudou-se para um Kibbutz, tornou-se meu amigo no Facebook, e insinuou que gostaria de ter o meu poema a seu pai na sua página. Assim como que muito brevemente ele viria a Meudon passar uns dias comigo e apresentar-me a sua esposa!
Senti
Sempre senti
Sentimento assim
Sempre tive
Que Israel
Pequeno país
Pequeno pequenino
Sem espaço que chegue
Para todo o meu amor
Para todo o seu amor !
Para todos os amigos
Que lá tive
Todos os amigos que lá tenho !
Agora Miki
Sem ti
Israel cada vez mais pequeno
Cada vez mais pequenino
Sem espaço para mim
Sem espaço para ti !
Amigo como tu tive
Amigo como tu um dia tive
Nesse país tão pequeno
Nesse país tão pequenino !
Juntos estivemos
Juntos estaremos
Juntos aconteceu
Num país tão pequeno
Tão pequenino !
Jamais haverá espaço
Para o nosso grande amor
Num país tão pequeno
Num país tão pequenino.
O meu país, o nosso país, o teu país!
Paris, 16 de Abril, 1985.